Conquistando Machu Picchu pelas Trilhas Incas

A Preparação

Fui para Machu Picchu no final de outubro de 2003, sozinha e determinada a viver uma experiência ímpar em minha vida.
Quando estava me preparando para a viagem, por vezes me perguntei se sobreviveria àquele desafio, pois a caminhada pelas Trilhas Incas exigia superação, por causa do frio, da altitude, da distância e dos percalços do caminho.
Eu sabia que a dificuldade para respirar, a alimentação e ter que dormir nas montanhas, em acampamentos sem qualquer conforto, seriam os maiores obstáculos.
Até então eu só havia feito trilhas pequenas de um ou dois dias, no máximo, e duvidava da minha própria resistência, principalmente por causa do tamanho do percurso, da altitude e do clima. Mas a guia garantia que eu estava preparada.
Como se vê, aquela viagem era uma maravilhosa aventura, mas para mim seria um senhor desafio!
Programei toda a viagem com uma guia de trilhas, que me orientou quanto às roupas, equipamentos e kits de sobrevivência na caminhada. Tudo saiu como planejado.

Como fui

Saí sozinha de Recife para Lima, com conexão em São Paulo. Em Lima fiquei apenas o tempo suficiente para descansar do voo e para um rápido city tour pela cidade.(Sobre a viagem de Lima ver o link http://www.praviajante.com.br/lima-%E2%97%8B-peru/)
De Lima segui num voo para Cuzco, onde fiquei por poucos dias antes de iniciar a Trilha, por orientação da guia, para me ambientar com a altitude.
Cuzco é uma linda cidade, com uma energia e um astral sem igual, mas dela falarei em outra postagem…

Como fiz

O receptivo de Cuzco me deu todas as instruções de como proceder durante a estada na cidade, organizou os passeios que eu poderia fazer, me tranquilizou e orientou quanto ao que eu deveria levar para a caminhada e para o retorno.
Sugeriu que eu pagasse um Porteador para transportar a bagagem necessária para a trilha e para ficar em Águas Calientes, cidadezinha onde eu me hospedaria após a trilha.
Fiz isto. Deixei as malas no hotel em Cuzco, despachei pelo Porteador as roupas que usaria no percurso e em Aguas Calientes e só levei comigo numa mochila pequena o essencial para a caminhada, coisas como lanches nutritivos e energéticos(barrinhas, banana desidratada, etc), água, lenços humedecidos, remédios, protetor solar e hidratante para o rosto e lábios. Somente coisas muito leves e úteis, porque tudo se potencializa na altitude.
Depois de uns dois dias em Cuzco, descansando e fazendo passeios leves pelas redondezas, sem esforços e sem bebida alcoolica, para me ambientar  com a altitude, parti num ônibus até ás margens do Rio Urubamba, onde se inicia a trilha.
Meus questionamentos e medos sobre a loucura da viagem estavam se materializando, mas mantive-me firme no propósito de viver aquela experiência extravagante.
Assim saí cedo de Cuzco e, depois de muitos solavancos na estrada, cheguei ao ponto de largada, no Rio Urubamba.

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Rio Urubamba

O início

Ao chegar às margens do rio, encontrei outros caminhantes vindos de todos os lugares do mundo, misturados aos guias e Porteadores numa euforia contagiante.
No início do acampamento, por orientação da guia, comprei um “cajado” de madeira, por ser muito útil como apoio no caminho. E realmente serviu de suporte para amenizar o peso do corpo nos joelhos, nas subidas e descidas íngremes. Eu o tenho até hoje, como lembrança de uma caminhada inesquecível!
No ponto inicial da caminhada eu encontrei os outros membros do meu grupo, composto por oito pessoas bastante reservadas.
Antes de partirmos, às margens do rio, fomos surpreendidos com um almoço inesperado que nos foi servido numa mesa dobrável montada a céu aberto.  Uma saborosa e suculenta macarronada, que eu comi com prazer, surpresa e medo de não comer outra comida tão boa nos próximos dias.
Depois de um breve descanso e das orientações da simpática guia peruana, que havia sido contratada exclusivamente para guiar nosso pequeno grupo, partimos para o que considero uma das melhores aventuras da minha vida.

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Início da trilha à beira do rio
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Ponte sobre o Rio Urubamba no início da trilha

O Caminho

Todos iniciávamos a caminhada juntos, mas não necessariamente chegávamos juntos aos pontos de parada, porque cada um seguia o seu ritmo e condições físicas.
Caminhávamos cerca de 8 horas por dia. Saíamos muito cedo, interrompíamos a caminhada para o almoço e chegávamos ao acampamento por volta das 18 horas.
O caminho é longo e íngreme, mas belo, mágico, enriquecedor.

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Caminho

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Caminho

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Caminho

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Caminho

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Caminho
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Caminho

Os Porteadores merecem um destaque.

Eles são peruanos moradores locais, fortes, eficientes, rápidos,  e extremamente preparados para dar todo o suporte às pessoas que fazem a trilha. Transportam as barracas e todos os equipamentos necessários para a acomodação e alimentação dos grupos. Montam e desmontam as tendas, fazem a comida, lavam os pratos e tudo o mais para a tranquilidada dos caminhantes.
Eles saiam na frente, em ritmo acelerado, com uma energia e força admiráveis e só paravam na hora do almoço e para pernoitar, nos pontos de acampamento regulares, onde todos os grupos também paravam. Chegavam primeiro, montavam uma barraca grande, preparavam o almoço e quando chegávamos no acampamento já estava quase tudo pronto.
Quando terminávamos de comer, descansávamos por alguns minutos e prosseguíamos a caminhada. Eles ficavam, faziam a higiene do local, desmontavam  a barraca e seguiam a caminhada num ritmo acelerado, ultrapassavam todos e chegavam primeiro no próximo acampamento.
Ao final da tarde, quando chegávamos exaustos no ponto de encontro, o acampamento já estava todo montado e o jantar sendo preparado. Enquanto não saia a comida eles nos serviam um pequeno lanche ou qualquer outra guloseima.
Mesmo para mim, que sou muito exigente, a comida era muito boa, nutritiva e variada. Tudo muito simples, mas saboroso.
À noite, depois que terminávamos, eles lavavam e organizavam tudo e depois se recolhiam. No dia seguinte acordavam bem cedo e preparavam tudo de forma que quando acordávamos o café da manhã já estava nos aguardando nas mesas montadas sob a tenda.
Eles eram discretos, reservados e imprescindíveis.

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Porteadores ao fundo

O que vi

O percurso é mágico e a caminhada na antiga trilha aberta pelos Incas, que leva ao Vale Sagrado de Machu Picchu, é uma experiência muito rica, porque além do contato com a natureza, seja contemplando montanhas com picos congelados, ou percorrendo florestas altas, cruzando rios e riachos, penhascos íngremes ou ruínas incríveis, ao longo do caminho íamos tendo contato com a história e a cultura daquele povo inteligente e misterioso que deixou um importante legado para a humanidade.

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A superação

Além disso, a trilha inevitavelmente importa em superação, porque nos leva a muitas reflexões acerca dos nossos limites e revela nossas forças desconhecidas.
O primeiro dia foi o mais difícil e a primeira noite foi pior porque acordei sozinha, numa tenda pequena, escura e gelada e com dificuldade de respirar. Me desesperei e pensei mil tolices, inclusive que ia morrer. Me perguntei o que diabos eu estava fazendo ali, tão longe do aconchego do meu lar e do carinho da minha família.
Mas o instinto de sobrevivência foi maior. Busquei e encontrei em mim o equilíbrio necessário para superar o medo e adotei estratégias de ação para me proteger, tais como, me aquecer melhor com cobertores, casacos, meias e luvas, deixar próximo ao corpo lanterna, àgua e remédio, racionalizar e controlar os pensamentos negativos.
Como o banheiro  era precário, comunitário e exclusivo para as necessidades básicas, eu acordava mais cedo que os outros, para evitar espera e constrangimento, e fazia a higiene corporal com lenços humedecidos à noite, antes de dormir.
Enfim, aprendi a me virar e passei a desfrutar o caminho, de forma que os outros dias foram cansativos, mas tranquilos. E no final, tudo valeu a pena.
Na última noite os Porteadores fizeram um jantar especial e no último dia paguei para tomar um banho gelado numa estalagem no final do caminho, para chegar em Machu Picchu com uma aparência melhor. O corpo estava cansado, mas a alma estava revigorada.

A Chegada triunfal

Chegamos no destino com a alvorada e vimos Machu Picchu pela primeira vez através da Porta do Sol. Foi uma experiência inesquecível e só permitida aos que se aventuram pela trilha inca.

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Porta do Sol com Machu Picchu ao fundo
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Momentos finais da trilha

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chegando em Machu Picchu
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uma Lhama, animal comum na trilha a caminho de Machu Picchu

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O Vale Sagrado

A vista belíssima do Vale Sagrado em silêncio, sem ninguém, em paz, impõe reverência. É um merecido troféu!  A beleza da paisagem do Parque Arqueológico e das montanhas que o rodeiam, Hayana Picchu e Machu Pichu, aliada à emoção pela superação, provocaram em mim uma sensação indescritível de plenitude.
Me quedei assim, inerte, em êxtase, por alguns instantes, depois me deixei levar pela euforia e percorri o resto do caminho em direção às ruinas de Machu Picchu, onde a guia nos levou a conhecer o local. Em seguida fomos liberados e o grupo se dispersou permitindo que cada um, ao seu modo, sentisse a magia do ambiente.

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Circulei, observei, toquei, senti o cheiro e o som daquele santuário. Depois sentei embaixo da única árvore existente no centro das ruinas, abracei a mochila e dormi um sono profundo e revigorante. Acordei leve e feliz, rodeada de turistas brasileiros de mãos dadas em torno da árvore, orando em agradecimento a Deus pela graça de estar ali. Me uni a eles e rezei.

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Árvore no centro das ruínas sob a qual dormi profundamente

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Troca de energia com a pedra

Quando ir

Eu fui no final de outubro de 2003, mas segundo a Viaje Aqui (http://viajeaqui.abril.com.br/materias/trilha-inca-machu-picchu-peru) Julho é o mês mais recomendado para encarar a trilha por ser uma época seca e sem chuva, no que eu concordo, porque enfrentei a instabilidade do tempo no período, pois hora fazia frio, hora fazia calor, e peguei chuva em vários trechos.

Como se vestir

O tênis com cano alto, apropriado para trilha é essencial. A roupa deve ser leve e variada. Short, calça, camiseta de manga curta e também longa. Chapéu, mochila, e lanterna são imprescindíveis. Por cautela eu saia com short e camiseta embaixo da roupa de frio e ia tirando ao longo da jornada, conforme o tempo esquentava. Por isto sugiro que, mesmo na época de tempo bom, não se descuide do agasalho, principalmente à noite, e da hidratação, considerando a altitude.

Fiz o trajeto clássico que tem aproximadamente 45 quilômetros e dura quatro dias, mas soube que existem opções de trilhas mais curtas.
Quando fui, foi fácil programar a viagem e contratar o guia na minha cidade, mas, segundo amigos que foram recentemente, confirmado pela revista citada, hoje tudo é controlado e há  lista de espera para ingressar na Trilha Inca, que pode ultrapassar um ano, porque há limite de acesso ao Parque Arqueológico de Machu Picchu.
Atualmente também há restrição de acesso às ruinas de Machu Picchu, com limite de  2,5 mil pessoas por dia, o que já considero excessivo, porque põe em risco a riqueza das relíquias ali expostas. Por isto, embora seja um empecilho para o turista, penso ser justa a necessidade de reserva, que deve ser feita com antecedência pela internet (www.machupicchu.gob.pe).

Toque pessoal

Cuidado com bebidas alcoólicas no percurso. Algumas pessoas de outros grupos se empolgavam com a aventura e bebiam muito, o que é perigoso, porque vi uma jovem ser carregada em colapso, nas costas de um Porteador, numa região sem condições de socorro imediato.
Ao invés de priorizar a farra, entregue-se à magia de se integrar à natureza e à reflexão contemplativa. Viva a experiência sóbrio e se deixe embriagar apenas pela paisagem, porque a experiência é única.

Faça a trilha com cautela, mas sem medo, porque mesmo que pense não ser capaz, você se surpreenderá consigo mesmo.
Em alguns momentos no caminho, principalmente no ponto mais alto da jornada, eu me perguntei como consegui chegar ali apenas caminhando. Ver que fui capaz disso apenas com as minhas forças me deu uma incrível sensação de poder. Até hoje a lembrança disto me motiva a superar outros desafios.

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Chegada triunfal ao ponto mais alto da trilha 4.200 m acima do nível do mar.

Conhecer Machu Picchu é deslumbrante, mas ir pela Trilha Inca é uma experiência, única, linda e inesquecível!

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